A averiguação do DCIAP ao procurador-geral da República de Angola está arquivada já desde 18 de Julho passado, tendo sido notificada ao próprio apenas este mês.
A Procuradoria-geral da República acaba de emitir um comunicado em que confirma o arquivamento relativo a João Maria Moreira de Sousa "Efectuadas diligências e recolhida a informação necessária o Ministério Público considerou esclarecida e justificada a operação financeira objecto de investigação e determinou o arquivamento do procedimento por decisão proferida a 18 de Julho de 2013, a qual foi notificada ao próprio, por carta registada, no corrente mês".
Isto quer dizer que o arquivamento ocorreu cerca de dois meses antes de o ministro dos Negócios Estrangeiros, Rui Machete, deslocar-se a Luanda e dar a polémica entrevista à Rádio Nacional de Angola em que deixava subentendido que os processos envolvendo figuras angolanas não teriam grandes resultados. "Não há nada substancialmente digno de relevo e que permita entender que alguma coisa estaria mal, para além do preenchimento dos formulários e de coisas burocráticas", disse o ministro na entrevista, dada a 18 de Setembro mas que apenas foi conhecida em Portugal nos primeiros dias de Outubro.
A PGR recorda que "o processo administrativo foi aberto em Dezembro de 2011 na sequência de uma comunicação bancária efectuada ao Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) em cumprimento da lei de prevenção e repressão de branqueamento de capitais, Lei n.º 25/2008, que transpôs para a ordem jurídica interna Directivas da União Europeia".
A averiguação do DCIAP tinha sido aberta na sequência de um alerta do banco Santander Totta, de que o PGR angolano tinha recebido numa sua conta uma transferência de 93 mil dólares, com origem numa empresa offshore, em Dezembro de 2011. Pretendia-se averiguar a existência de eventuais indícios de crimes de branqueamento de capitais e de fraude fiscal, sendo que o PGR de Angola nunca foi constituído arguido. A transferência tinha origem numa empresa sediada numa zona offshore e que tem relações comerciais com uma empresa angolana que tem como sócio João Maria de Sousa, antigo general que está à frente da Procuradoria de Angola desde 2007.
Mais de 2000 processos iguais ao do PGR angolano
A propósito do caso de João Maria de Sousa, a PGR aproveita para explicar que este caso é apenas um entre muitos que tem em mãos. Isto porque o Estado português encontra-se vinculado desde 2008 a directivas da União Europeia, que estabelecem regras para a prevenção do branqueamento de capitais. "Por via desses procedimentos, as entidades financeiras e não financeiras previstas na lei, tais como instituições de crédito, (…) estão sujeitas a vários deveres, designadamente os de informarem e comunicarem ao Ministério Público e à Unidade de Informação Financeira da PJ as transacções e actividades financeiras sobre as quais existam suspeitas ou razões suficientes para suspeitas (…) do crime de branqueamento de capitais". Estes alertas, segundo essas directivas, "são particularmente exigentes sempre que estiverem em causa operações de risco, que é aferido, quer em função da origem dos fundos, quer em função da qualidade dos intervenientes, em particular quando se revele a intervenção de pessoas politicamente expostas". É este o caso de João Maria de Sousa.
O MP e a PJ fazem então diligências "tendo em vista avaliar da origem ilícita dos fundos aplicados (…) no âmbito de um processo administrativo". "Este, uma vez efectuadas as diligências adequadas e necessárias, é arquivado, quando se vierem a considerar como justificadas as operações suspeitas ou dá origem à abertura de inquérito para prosseguimento das investigações, caso se mantenham as suspeitas de prática de branqueamento de capitais", acrescenta-se.
Em 2012, e no âmbito desta actividade de prevenção do crime de branqueamento de capitais, o DCIAP abriu 2.270 processos administrativos e já este ano, até 18 de Outubro, 2.252 processos administrativos. Desses, 46 deram origem a inquéritos, em 2012, e em 2013 foram abertos já 39 inquéritos. Na sequência desses alertas, no ano passado, foram bloqueadas 51 operações relativas a fundos "com suspeita fundamentada de origem ilícita", no total de 16 milhões e 778 mil euros. Este ano, foram bloqueadas 31 operações, envolvendo 15 milhões e 638 mil euros – conclui a PGR.
Outras investigações prosseguem
As investigações a figuras do Estado angolano têm estado no centro da polémica das últimas semanas sobre as relações entre Portugal e Angola.
No DCIAP, há ainda outras investigações em curso, envolvendo Manuel Vicente (vice-Presidente angolano), Hélder Vieira Dias ‘Kopelipa’ (ministro de Estado) e Leopoldino dos Santos (consultor do ministro) – sobre as quais a PGR não avança agora qualquer informação.
No início deste mês, a propósito da polémica levantada pelas declarações de Rui Machete, Joana Marques Vidal emitiu um comunicado em que, além de lembrar que em Portugal vigora o princípio da separação entre os poderes legislativo e judicial, garantia nunca ter proferido "qualquer comentário sobre o conteúdo" dos inquéritos, confirmando apenas existirem "vários processos em que são intervenientes cidadãos angolanos, quer na qualidade de suspeitos quer na qualidade de queixosos", sob segredo de justiça.
Fonte:por Ana Paula Azevedo in Sol