terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

Sociedade discute discriminação racial no Bilhete de Identidade

A polémica identificação racial nos bilhetes de identidade angolanos foi legalmente decidida pela Assembleia Nacional há quase uma década, mas agora, a sete meses das eleições legislativas no país, a sociedade volta a discutir a medida.


Por Ricardo Bordalo
da Agência Lusa


Os cidadãos angolanos têm no bilhete de identidade a sua "raça" discriminada por "negro", "misto" ou "branco", desde 2000, ano em que foi votada a melindrosa lei no Parlamento.
Mas o assunto foi, entretanto, esquecido. Até que, nos últimos dias, os jornais e as rádios de Luanda o fizeram renascer das cinzas.

A Rádio Ecclesia, emissora da Igreja Católica angolana, e os jornais privados Semanário Angolense e Agora deram largo destaque à questão.

Este último assumiu em manchete que o ítem raça deverá ser anulado no Parlamento antes das legislativas de Setembro, embora no corpo da notícia este título não esteja sustentado.

No Semanário Angolense, na parte mais nobre da edição, é avançada a questão: "Raças no BI: Sim ou não?"

Este semanário pergunta ainda: "É proibido voltar a discutir?" O assunto regressou mesmo à ordem do dia como um dos temas de topo da actualidade angolana.

O que emerge com clareza é que esta é uma realidade que a sociedade angolana não conseguiu "encaixar" ao longo dos últimos oito anos.

A iniciativa parlamentar que permitiu a inclusão da identificação racial no BI angolano partiu do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), que tem a maioria absoluta no Parlamento e é poder no país desde a independência, em 1975.
Justino Pinto de Andrade, economista e um dos mais respeitados analistas políticos angolanos, diz que "discriminar através do elemento racial é um erro histórico".

E recorda que "até o sistema colonial acabou por entender - na década de 1960 - que esse elemento não fazia sentido pondo-lhe fim".

"Ninguém se pode esquecer que há muitos exemplos na História da Humanidade - o nazismo - onde esse elemento serviu para um exercício de crueldade tremendo", sublinha Pinto de Andrade.

E, para Pinto de Andrarde, "restam poucas dúvidas de que na génese desta iniciativa política - através da sua aprovação na Assembleia Nacional - esteve a intenção de excluir", porque, embora sem nomear, lembra que "se não for a intenção de excluir, não é fácil encontrar outra razão".

"Este é um grande desafio para a sociedade angolana, porque o futuro passa pela aceitação cabal da diferença e quem pensar o contrário está a agir contra a maré da História", enfatiza.

Para alterar este cenário, "só com outra mentalidade vai ser possível", defende, adiantando que isso se deve ao facto de "se estar a falar de pessoas e não de partidos".
E justifica: "Esta é uma questão transversal no cenário politico-partidário angolano", porque "alguns partidos da oposição, incluindo a UNITA, não tomaram uma posição muito clara sobre esta matéria".

Também o sociólogo Paulo de Carvalho defende ser este, "como outro qualquer", um bom momento "para resolver o problema".

E, em conversa com a Lusa, diz só encontrar uma justificação para se ter "introduzido" em Angola este elemento identificativo: "A intenção de excluir."

"Com isto pretende-se apenas levar as minorias a terem consciência de que são, de facto, minorias e devem permanecer no seu canto".
Paulo de Carvalho, indo à memória, sublinha que "em 1969 - seis anos antes da independência, que teve lugar em 1975 - os documentos de identificação em Angola já não continham este elemento".

E mesmo o argumento usado pelas autoridades para a existência do ítem racial nos BI, que é o de facilitar a identificação, não colhe junto de Paulo de Carvalho.

"Se fizesse sentido essa justificação, então esses elementos poderiam ficar apenas na folha de registo e não de acesso público", adverte.

Para o sociólogo, há apenas uma certeza: "Esta discriminação não reflecte a realidade angolana e pode gerar mal estar social."
O sociólogo coloca ainda uma questão sem resposta na actual lei: "Então que raça é aplicada aos muitos chineses que já são ou vão ser angolanos no futuro breve?"

Actualmente há milhares de cidadãos oriundos da China a trabalhar em Angola no âmbito do processo de reconstrução nacional.

Entretanto, para a UNITA, maior partido da oposição, que votou contra esta iniciativa do MPLA em 2000, a questão é muito simples: "Foi um erro e agora só resta uma alternativa que é corrigir esse erro".

Adalberto da Costa Júnior, porta-voz da UNITA, lembra que a medida "foi contestada" pelo seu partido e defende que "quem protagonizou o erro deve agora, sem embaraços, avançar com uma iniciativa que ponha fim ao absurdo".

"A cidadania não é nem pode ser condicionada a questões desta natureza", diz Júnior, salientando que "a reconciliação nacional - iniciada com o fim da guerra em 2002 - ainda não é um processo acabado e, mesmo não impedindo esse processo, a discriminação racial também não o facilita".

Contactado pela Lusa, o deputado e porta-voz do MPLA, Norberto dos Santos "Kwata Kanawa", diz desconhecer quaisquer polémicas em torno desta questão e recorda que se alguém está interessado em discutir o assunto no Parlamento deve avançar com uma iniciativa nesse sentido.

"Se assim for, o MPLA vai discutir o assunto nessa altura. Até ao momento desconheço que esse seja o caso", disse de forma sucinta Norberto dos Santos.








Sem comentários: