"Quanto a mim, vou herdar um segundo dossier envenenado: o do contrabando.Trata-se de um questão urgente.A indústria colombiana está a definhar devido à entrada fraudulenta de produtos estrangeiros não tarifados e, portanto, vendidos no mercado interno a um preço muito inferior ao da nossa produção local.É, nomeadamente, o caso da indústria colombiana do tabaco, asfixiada pelos cigarros americanos de contrabando.As nossas produções de têxtil, calçado e vinho estão também ameaçadas.Por outro lado, muita gente vive desse comércio ilícito, e seria irresponsável querer mudar tudo de um dia para o outro.A nossa ideia é, pois, delimitar geograficamente as zonas ditas de « comércio livre » no interior das quais os produtos colobianos seriam isentos de impostos, de forma a neutralizar a atracção do contrabando.De facto, para quê importar fraudulentamente cigarros amercinos se os nossos são ao mesmo preço, e até mais baratos?
esta prática de transição permitiria à população local prosseguir o seu comércio, pondo fim à criminalidade inerente ao contrabando e à rede de corrupção que ela implica.
Mas este plano só poderá existir se se conseguirem convencer as pessoas a aderir a ele.E eis-nos então de partida - três tecnocratas - para Maicao, capital do contrabando na Costa Atlântica, onde eu acompanhara a minha mãe no Verão de 1986, por ocasião dessa viagem surrealista dos deputados.Desta vez, o ambiente não está para graças.Uma camioneta Toyota espera-nos à saída do avião.Tem a particularidade de estar crivada de impactes de balas.
-O que é que aconteceu a este veículo ? - perguntamos.
- Isto aqui é muito perigoso - responde sombriamente o motorista. - É preciso ter cuidado, as pessoas são violentas.
Caso não tivéssemos entendido a mensagem, ela é repetida à entrada de Maicao, numa faixa gigantesca, estendida por cima da entrada: « Fora com os enviados do Ministério».E para sublinhar a frieza da recepção, todos os comerciantes fecharam as suas lojas, à laia de boas-vindas.Operação cidade-fantasma, e, por toda a parte, panfletos a dizer : «Rua!».
Está programada uma sessão pública para as dezassete horas, numa enorme cabana de terra batida, com capacidade para quinhentas pessoas.O clima é tenso quando chegamos.Uma multidão de homens de olhar sombrio - não vejo uma única mulher vestida com o traje wayu dos índios da região - e, mais inquietante ainda, há garrafas de wisky a circular.O ambiente é pesado, estamos todos a suar.
Leonardo o único homem do nosso trio, começa a explicar o projecto de um ponto de vista técnico, no meio de uma silêncio trocista.Em seguida, erguem-se alguns braços, e o público começa a manifestar-se.São dezoito horas; vão monopolizar o microfone durante mais de quatro horas.Progressivamente o tom sobe, estimulado pelo álcool, pela cólera e pelo calor, passando a vociferações de ódio e aos insultos. «O Governo está a estender-nos uma «armadilha», « O pessoal do Governo só cá vem para nos criar problemas»...
Está programada uma sessão pública para as dezassete horas, numa enorme cabana de terra batida, com capacidade para quinhentas pessoas.O clima é tenso quando chegamos.Uma multidão de homens de olhar sombrio - não vejo uma única mulher vestida com o traje wayu dos índios da região - e, mais inquietante ainda, há garrafas de wisky a circular.O ambiente é pesado, estamos todos a suar.
Leonardo o único homem do nosso trio, começa a explicar o projecto de um ponto de vista técnico, no meio de uma silêncio trocista.Em seguida, erguem-se alguns braços, e o público começa a manifestar-se.São dezoito horas; vão monopolizar o microfone durante mais de quatro horas.Progressivamente o tom sobe, estimulado pelo álcool, pela cólera e pelo calor, passando a vociferações de ódio e aos insultos. «O Governo está a estender-nos uma «armadilha», « O pessoal do Governo só cá vem para nos criar problemas»...
Quando Leonardo tenta assumir o controlo, um grupo de homens bêbados aproxima-se, lançando perdigotos e, de punho no ar, ameaça-nos: « Mentirosos!Burocratas! Vocês não percebem nada deste país!Ponham-se a andar!»
- Vamos embora - segreda-me a minha colega. - Vamos ser massacrados.
- Vamos embora - segreda-me a minha colega. - Vamos ser massacrados.
Quanto a mim, fugir seria catastrófico para a imagem do Estado, que já não é nada brilhante.Decido então jogar a última cartada, a da galanteria, sempre presente no coração dos Colombianos.Levanto-me e pego no microfone.
- Só vejo homens aqui - digo eu gravemente. - Estamos aqui há horas e durante todo este tempo esperei em vão que um de vós tivesse ao menos a cortesia de nos deixar dizer qualquer coisa.Mas ninguém foi capaz dessa elegância elementar...
Silêncio.Dir-se-ia que estas palavras os despertam.Apertam-se uns contra os outros, resmungam, e depois calam-se.Só me resta engrenar no meu discurso.
- O que é que vocês querem ? Um país onde é preciso que as pessoas se matem umas às outras para poderem ter o seu comércio?Trouxeram-nos para aqui num veículo crivado de balas.É nesse clima que vocês querem obrigar as vossas mulheres a viver e educar os vossos filhos?Mas que ideia fazem vocês da felicidade, da vida?Os mais ricos de vocês barricam-se atrás de portões, arames farpados, câmaras de filmar, e nunca têm a certeza de poder regressar a casa à noite.De que vos serve serem ricos se vivem no meio do terror?A verdade é que vocês são todos prisioneiros da corrupção e do contrabando.Pensem um pouco se as vossas mulheres e os vossos filhos não prefeririam viver ao lado de um comerciante normal, honrado, cujo sucesso não o transforma em alvo abater...Ouçam bem:não viemos aqui para vos impor uma coisa à viva força!Essa zona de comércio livre é do interesse de todos, tanto nosso como vosso.Mas não a criaremos à força.Isso nunca!Se a quiserem, muito bem.Se a não quiserem, ficarão nesse estado de ilegalidade que todos os anos mata dezena de vós.Eu, pessoalmente, só vejo nisto o interesse dos vossos filhos...
Entreolham-se, murmuram, acalmam-se.Estão menos agressivos.Contudo, já é tarde, e decidimos voltar a reunir-nos no dia seguinte, não com quinhentas pessoas, mas com uma delegação.Seis meses depois, as zonas de comércio livre de Maicao, Urubá e Tumaco são criadas por decreto. "
- Só vejo homens aqui - digo eu gravemente. - Estamos aqui há horas e durante todo este tempo esperei em vão que um de vós tivesse ao menos a cortesia de nos deixar dizer qualquer coisa.Mas ninguém foi capaz dessa elegância elementar...
Silêncio.Dir-se-ia que estas palavras os despertam.Apertam-se uns contra os outros, resmungam, e depois calam-se.Só me resta engrenar no meu discurso.
- O que é que vocês querem ? Um país onde é preciso que as pessoas se matem umas às outras para poderem ter o seu comércio?Trouxeram-nos para aqui num veículo crivado de balas.É nesse clima que vocês querem obrigar as vossas mulheres a viver e educar os vossos filhos?Mas que ideia fazem vocês da felicidade, da vida?Os mais ricos de vocês barricam-se atrás de portões, arames farpados, câmaras de filmar, e nunca têm a certeza de poder regressar a casa à noite.De que vos serve serem ricos se vivem no meio do terror?A verdade é que vocês são todos prisioneiros da corrupção e do contrabando.Pensem um pouco se as vossas mulheres e os vossos filhos não prefeririam viver ao lado de um comerciante normal, honrado, cujo sucesso não o transforma em alvo abater...Ouçam bem:não viemos aqui para vos impor uma coisa à viva força!Essa zona de comércio livre é do interesse de todos, tanto nosso como vosso.Mas não a criaremos à força.Isso nunca!Se a quiserem, muito bem.Se a não quiserem, ficarão nesse estado de ilegalidade que todos os anos mata dezena de vós.Eu, pessoalmente, só vejo nisto o interesse dos vossos filhos...
Entreolham-se, murmuram, acalmam-se.Estão menos agressivos.Contudo, já é tarde, e decidimos voltar a reunir-nos no dia seguinte, não com quinhentas pessoas, mas com uma delegação.Seis meses depois, as zonas de comércio livre de Maicao, Urubá e Tumaco são criadas por decreto. "
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