Fonte: Estadão
Adriana Carranca
Já assíduas no Brás, elas seguem a moda de atrizes brasileiras e voltam à África carregadas de roupas e bijoux
É hora do almoço de um dia ensolarado e as ruas estão cheias de belas mulheres negras alegres e falantes, de penteados caprichadíssimos, roupas de cores vibrantes e adornos dourados, mas sem fazer ''banga''. Elas falam um português muito ''giro'' entre si e estão carregadas de sacolas. São respaldadas por homens fortes que entram e saem dos pequenos hotéis da redondeza levando nos ombros imensas ''pastas'' lotadas de compras feitas por elas. Uma loja de calçados exibe a bandeira desse povo alegre e apaixonado pelo Brasil. Isso, unido ao burburinho e colorido nas ruas e, por um instante, tem-se a impressão de estar em Angola.
Mas o local descrito é a esquina das Ruas Cavalheiro e Joaquim Nabuco, no Brás, centro de São Paulo. Fazer ''banga'' é ostentar riqueza, ''giro'' é palavra herdada dos colonizadores portugueses e quer dizer legal e ''pastas'' é sinônimo de malas. São palavras que se aprende em um giro - este, do português brasileiro - pelo Brás. A cena se repete no Bom Retiro e, mais recentemente, nas pontas-de-estoque de Moema. As mulheres são sacoleiras e lojistas angolanas que vêm ao Brasil comprar roupas, calçados e acessórios para vender no seu país. Algumas atravessam o Atlântico a cada duas semanas.
No 5º andar do Hotel Vitória, na Rua Cavalheiro, Cristina Rafael, a Tininha, de 31 anos, abre a porta desconfiada. Como trazem muito ''kumbu'' para as compras, feitas à vista e pagas com dólares, as angolanas ficam espertas. Costumam viajar em grupo, não andam sozinhas e só se relacionam com outros angolanos. Mas ela logo abre o sorriso - tem um cunhado paulistano e está acostumada com os brasileiros.
No ''cubico'' com TV e ''geleira'', Tininha abre as seis ''pastas'', cada uma com US$ 2 mil em mercadorias, em média. São 204 kg de roupas e sapatos, 50 pares de Havaianas e cabelo. As angolanas adoram os fios lisos e os cachos soltos das brasileiras e chegam a pagar US$ 150 por um rabo-de-cavalo de madeixas naturais - o preço depende do comprimento. Na Mãe Lú, a primeira das oito lojas de cabelo no Brás, 90% das clientes são africanas.
Os jeans e as calças coloridas e justíssimas usadas por Solange e Gislaine, de Duas Caras (leia abaixo), são mais vendidos porque, segundo Tininha, as angolanas têm o corpo das brasileiras: bem distribuído, de coxas grossas e bumbum avantajado. E ginga, elas têm? Tininha acha graça: ginga, para ela, quer dizer bicicleta.
Com três filhos para cuidar, ela vende as roupas em casa. Paga cerca de US$ 100 por sete ou oito calças e blusas femininas no Brás e vende cada uma a US$ 30, US$ 40, US$ 100 em Luanda, uma das capitais mais caras do mundo. Mas para atravessar a alfândega em Angola ela paga entre US$ 100 e US$ 350 por mala e garante que o lucro é pouco. Com a valorização do real, a China passou a fazer concorrência, mas o sucesso das novelas brasileiras sustenta o comércio de moda entre os dois países. ''O Brasil é um bocadinho caro, mas compensa a qualidade'', diz Dolores Hilário, de 28 anos.
Sua clientela faz parte da classe média e alta de Angola, que aumenta no rastro do PIB, com taxa de crescimento de 20% ao ano, uma das mais altas do mundo, desde o fim da guerra civil. Ela busca a moda brasileira nas pontas-de-estoque de Moema. Na semana passada, embarcava com a amiga Fefinha, dona de um salão de cabeleireiro em Lubanga (interior de Angola), com 408 kg de roupas e sapatos Jorge Alex.
Entre janeiro e março, mais de 800 angolanos desembarcaram em São Paulo, em dois vôos diários da South African Airlines - o dobro dos 385 que chegaram no mesmo período em 2007. O número pode ser muito maior. A Associação de Lojistas do Brás estima que 700 angolanas circulam todos os dias no bairro. De olho nelas, a OceanAir inaugura em 23 de abril o vôo São Paulo- Luanda três vezes por semana, em um Boeing 767-300 para 203 passageiros.
Hoje, único vôo direto entre Brasil e Angola faz a rota Luanda-Rio três vezes por semana em um 747-300 para até 400 passageiros. A companhia só permite 20 kg - e não há sacoleira que saia do Brasil com menos de 200 kg de bagagem. Para atendê-las, pipocaram no centro de São Paulo pequenas transportadoras como a Express Luanda, com matriz no número 99 da Rua Joaquim Nabuco e filial no Brás. Emprega 6 angolanos e 12 brasileiros e despacha 16 toneladas por semana para Luanda. Cobra U$ 5 por kg e faz a entrega em 15 dias.
Pelo menos oito hotéis simples do Brás são sustentados pelas angolanas. Com 84 apartamentos, a R$ 35 a diária com café da manhã, o Hotel Vitória tem 50% de sua ocupação garantida pelas estrangeiras. ''O Brás, hoje, depende das angolanas'', exagera o gerente Leonardo Hoeppner. Pelo menos 80 angolanos fazem ali o check-in semanalmente e ficam hospedadas, em média, cinco dias.
''As relações entre os dois países vêm desde o século 17, agora intensificadas pelo desenvolvimento de Angola. Embora tenha grande contingente de miseráveis, há uma considerável parcela da população com poder aquisitivo alto'', diz a professora de português e literatura africana da Universidade de São Paulo Rita Chaves. ''A concentração de renda e a fragilidade das instituições angolanas fazem o comércio informal sobreviver fortemente no país.''
Comentário: Após a leitura do artigo, e pelo desenrolar dos acontecimentos, onde os números são admiráveis, apetece dizer, contrariando o que diz uma das angolanas entrevistadas, segundo ela, " Mas para atravessar a alfândega em Angola ela paga entre US$ 100 e US$ 350 por mala e garante que o lucro é pouco"
Ora, se o lucro é pouco, e as passagens de avião são caras ( como é sabido), somando as despesas com a estadia, alimentação e transportes na cidade, qual é a motivação que leva estas " Sacoleiras " a deslocarem-se ao Brasil ?
Não será antes, porque o negócio é rentável e permite inclusive cobrir as elevadas despesas com a deslocação, e ainda tirar o "lucro" mais que suficiente, uma vez que Luanda é uma das cidades mais caras do mundo.Há aqui " gato escondido com o rabo de fora", porque o segredo é a " alma do negócio".Angolano e brasileiro são dois povos irmãos, que estabelecem relações desde o sec XVII.A autora deste artigo, talvez não saiba, em Angola chamam a este tipo de sacoleiras/os, "trambiqueiras".Estamos sempre aprender,.Com este artigo, aprendi onde e com quem, os angolanos aprendeream a ser "trambiqueiras".
Os angolanos sabem bem, o que significa o " trambique" das/os "trambiqueiras/os".É algo que tem contornos estranhos.Em Portugal, usam o termo " trafulhice". A procura pelo Brasil, não tem nada a ver com as novelas brasileiras.As novelas é uma camuflagem.
Este fenómeno das "Sacoleiras" angolanas, pode ser novidade no Brasil, em Portugal já se pratica à vários anos.O chamado esquema "Lá e Cá".Pratica-se ao nível do vestuário e calçado, como ao nível de outros sectores (informático, peças de automóveis, cosméticos, relojoaria, ouro, etc,.).É uma questão de visitarem o aeroporto de Lisboa, nos dias em que há vôos para Angola.As malas vêm vazias, e partem cheias.É um espectáculo digno de ser visto.Só não levam as paredes da casa, porque são de cimento e betão.Mas há quem consiga esse milagre de levar a casa em "kit".O esquema deste negócio, implica o envolvimento de vários sectores.Onde a famosa "gasosa/corrupção" impera, sendo o controlo mais apertado e dificultado na Europa, nomeadamente em Portugal.Teve a sua diminuição, porque a TAAG, foi interdita de viajar para a maioria dos aeroportos europeus, cujo o controle e o facilitismo no excesso de peso era um negócio, para os fomentadores e angariadores da " gasosa ".É normal que a rota das " Sacoleiras/Trambiqueiras" tenha mudado de destino.
Quanto ao facto de viajarem em grupo, é perceptível de entender-se.Se cada passageiro tem direito a 20 kg de bagagem, dois passageiros terão direito a 40 kg, e assim sucessivamente.
Podem crer, eu sei do que falo, em tempos uma " trambiqueira made in Angola" tentou armadilhar-me para este mundo dos negócios.Também ela, usava o mesmo " blá blá " que ganhava pouco, os filhos passavam mal, o lucro era pouco, na tentativa de eu adiantar a verba necessária para a mercadoria que ela desejava.No entanto para a trambiqueira, apesar de tudo ser " pouco", conseguia viajar para Portugal, no mínimo duas vezes por ano, conjuntamente com mais duas pessoas, onde ela era a responsável pelos pagamentos das passagens.Ao preço, que estavam as passagens de avião, começou a despertar em mim, o sintoma da desconfiança.Essa desconfiança aumentou, quando a trambiqueira que se dizia viver num prédio sem condições rodeada de lixo, sem saneamento básico,luz a gerador, comprou do dia para a noite, uma vivenda num condomínio fechado.Como é sabido uma vivenda pode custar 1 milhão de dólares.O pouco salário aumentou escandalosamente, permitindo-lhe luxos.A esta trambiqueira, não lhe restou outra alternativa, senão "Fugir da minha pessoa a sete pés", alterando tudo na sua vida.Sem que antes, conseguisse armadilhar outras pessoas, para prosseguir os seus intentos, de forma a suportar os seus negócios trambiqueiros e luxos.
Uma trambiqueira, apresenta-se de uma forma "honesta e latismosa, em fase de suicídio ou morte", maliciosamente tenta atrair a "compreensão".
Esta trambiqueira continua, tal como as Sacoleiras no Brasil, a viajar "Cá e Lá" e não admite que coloquem em causa a sua " honestidade e angolanidade de dupla nacionalidade (Angolana e Portuguesa) ".Evitando desta forma o controle alfândegário nos aeroportos e outras regalias que este estatuto lhe permite.
Vejam o vídeo em anexo da série angolana Conversas no Quintal(um bom exemplo dos trambiques, não sendo no entando, um dos exemplo que possa ser considerado dos piores, mas o mais usado para viajar para países onde o alojamento é elevado - uma casa - uma família - uma boa cobertura - camuflagem)
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